Foi ganhando terreno devido ao progresso dos estudos históricos, que o que se imputava a alguns papas, como Libério e Honório, como falta privada de heresia, não era senão falta de zelo e de coragem para proclamar, e sobretudo para precisar em horas difíceis a verdadeira doutrina. Portanto, já não não é mais possível sustentar a tese de alguns teólogos do século XVI e XVII, que só admitiam a possibilidade de um papa herético, para se adequar às supostas heresias de papas como Libério e Honório.
Libério, por exemplo, foi acusado injustamente de ser partidário do arianismo. Todavia, se recusou a cair nas chantagens do imperador Constâncio e não quis, como desejavam os arianos, censurar Santo Atanásio, maior adversário dessa corrente. Cedeu porque foi coagido. O próprio Santo Atanásio diz que o ato dele não foi voluntário: “Assim, eles se empenharam em corromper a Igreja dos Romanos, desejando introduzir a impiedade nela, assim como em outras. Mas Libério, depois de ter estado no exílio por dois anos, cedeu, e por medo da ameaça de morte, concordou. […] Por causa do medo, aquilo que os homens são forçados a fazer sob tortura, contrariando seu julgamento inicial, não deve ser considerado uma ação voluntária.” (Santo Atanásio, History of the Arians, Part V, 40)
O imperador condenou o Papa ao desterro por dois anos, em Trácia, mas pressionado pelo povo teve de trazê-lo de volta a Roma. Já na Cidade Eterna, Libério subscreveu a chamada 3ª fórmula do Concílio de Sirmio. Daí, as acusações de heresia. No entanto, não se pode dizer que a fórmula em si é herética, mas, sim, omissa em alguns pontos.
O Papa Honório I também foi acusado de heresia. Por qual razão? Porque, no Oriente, o Patriarca Sérgio ensinava o monotelismo, ou seja, em Cristo havia uma só vontade, a divina. Consultado, o Papa escreveu a Sérgio com certa falta de clareza. O patriarca torceu seus dizeres a seu favor. Um estudo cuidadoso e crítico das fontes deixou claro que seu pensamento não era nem monotelista nem monoenergético. Honório apenas empregara expressões pouco claras ou mesmo ambíguas em suas cartas. Seu problema foi a negligência de manifestar a doutrina ortodoxa em face da heresia e não, propriamente, o fato de ter aderido a ela.
Por Daniel Fernandes
(*) Este texto foi extraído do Facebook sem a revisão do autor