Cânon 9 –Cânones sobre o Santíssimo Sacrifício da Missa.
“Se alguém disser que o rito da Igreja Romana pelo qual parte do cânon e as palavras da Consagração se pronunciam em voz baixa, deve ser condenado; ou que somente se deve celebrar a Missa em língua vulgar, ou que não se deve misturar água com o vinho no cálice que se há de oferecer, por causa que é contra a instituição de Cristo, seja anátema”
(Concílio de Trento, Cânones sobre o Santíssimo Sacrifício da Missa, Cânon 9 , Denzinger, 956).
Comentário Sobre o Cânon 9
A interpretação é bastante simples: serve para rebater os ataques protestantes à forma como se celebrava a Missa no século XVI
O Cânon dito em voz baixa, por exemplo, havia sido introduzido coisa de 400 anos antes, com a popularização da polifonia, que deixava o Sanctus muito longo. Os protestantes não só rejeitaram isso, mas disseram que era errado
Sobre a língua vulgar, note que o Cânon condena a tese de que é errado rezar numa língua litúrgica distinta do vernáculo, outro posicionamento protestante da época
A mistura da água com o vinho é porque as liturgias protestantes afirmam que esse uso da Igreja Romana carece de fundamento bíblico, então celebravam a Eucaristia com vinho puro
É um Cânon defendendo, portanto, os usos romanos da época para a celebração da Eucaristia
Mas é preciso notar que o latim, por exemplo, não foi uma imposição. O princípio que vigia à época, costumeiro, era de se seguir a língua do patriarcado e como o Papa é Patriarca do Ocidente, no ocidente adotou-se o latim, embora tenha havido exceções ao longo de toda a História
A Igreja não poderia condenar a praxe que adotou antes como herética. De tudo que foi condenado aí, a única coisa que vem da Tradição Apostólica é a mistura de água com vinho, como atesta São Justino Mártir
A retomada do Cânon em voz alta se deu, opcionalmente, em 1967 e, obrigatoriamente, em 1969, seguindo a linha de reforma da liturgia para fomentar a participação ativa dos fiéis. É São Pio X quem diz, no seu Catecismo, que a forma mais excelente de se acompanhar a Missa é acompanhando cada uma das preces do sacerdote
Ocorreu, contudo, que o Cânon dito secretamente favoreceu a substituição da centralidade do altar por devoções privadas. Daí o costume de se acompanhar a Missa rezando o terço, por exemplo, ou mesmo com novenas
Esse costume tornou-se tão arraigado que influenciou até mesmo na postura dos fiéis durante a Missa. A posição ajoelhada era tradicionalmente entendida como uma posição de prece privada (tanto é que São Bento a prescreve para o monge que vá rezar o Ofício fora do coro)
A posição da oração litúrgica era de pé, como o próprio Cânon o atesta, referindo-se à congregação, no memento dos vivos, como “circumstantes”, ou seja, os que, de pé (stare), circundam o altar
O Concílio Niceno proibiu que se ajoelhasse aos domingos, embora Santo Agostinho afirme que este costume a seu tempo já não era observado
O simbolismo da prece feita em pé, aos domingos, era a de que o cristão é uma imagem de Cristo ressuscitado.
O Missal Tridentino, por exemplo, prescreve a posição de joelhos unicamente para as orações ao pé do altar, porque elas eram uma devoção privada do celebrante que foi adicionada à liturgia
No início do século XX, como São Pio X afirma em seu catecismo, o povo assistia à Missa quase toda de joelhos, com alguns momentos sentado. Não se levantava
A retomada da posição de pé em momentos “orantes” foi gradual e se iniciou na mesma época, a princípio apenas com as coletas
O Cânon silencioso recebeu mesmo uns retoques: a sineta e a elevação após a Consagração. Do contrário, ficaria ininteligível para a assembleia de qual parte da oração se tratava
As interpretações simbólicas do Cânon silencioso são todas a posteriori. A origem, como Dom Prosper Guéranger o afirma, é de ordem bastante prática, como eu disse: não estender a Missa por muito tempo devido ao Sanctus longo
Por Caio Lopes
*Publicação realizada no site sem a revisão do autor