Na manhã de 14 de outubro (1968), o Sumo Pontífice recebeu, na sala do Consistório, 80 cardeais e bispos com os outros membros e peritos do «Conselho para executar a Constituição da Sagrada Liturgia». Dirigiu-lhes então um importante discurso em latim, que não foi bem entendido pela imprensa, e por isto saiu publicado em «L’Osservatore Romano», dia 24, numa fiel tradução italiana, da qual tiramos o que segue.
Começa a Paulo VI agradecendo os trabalhos do «Conselho» cujos progressos e frutos causam alegre esperança: «Não sem alegria afirmamos que, pela participação mais ativa dos fiéis, o culto divino vai reflorescendo em toda parte» — fato que lhe confirma a convicção de que, por meio da Liturgia, deverão os homens vencer a moderna frieza na fé e na piedade, incentivando uma autêntica vida religiosa. Assim, ao referir-se e depois ao que falta por fazer (na reforma do Missal, do Ritual e do Pontifical e do Martirológio) sublinha a importância da função litúrgica para manter a doutrina e a devoção verdadeiras, de modo que a «LEX ORANDI» corresponda a «LEX CREDENDI».
«Por outra parte — continua o papa— a renovação litúrgica não deve ser considerada como para rejeitar o sagrado patrimônio dos tempos passados e para admitir precipitadamente qualquer novidade. Bem sabeis como se propuseram os Padres conciliares a esse respeito: AS INOVAÇÕES DEVERÃO CONCORDAR COM A SÃ TRADIÇÃO. DE SORTE QUE AS FORMAS NOVAS DE CERTA MANEIRA BROTEM ORGANICAMENTE DAQUELAS QUE JÁ EXISTIAM ( N°23). PORTANTO DEVERÁ DIZER-SE REFORMA SÁBIA, AQUELA QUE FOR CAPAZ DE HARMONIZAR CONVENIENTEMENTE O VELHO COM O NOVO.
«Do que dissemos aparece evidente quão grande importância tenha hoje, no intuito de garantir uma sábia reforma, que todos compreendam o caráter eclesial e hierárquico da sagrada Liturgia. Os ritos e as fórmulas litúrgicas não se devem considerar como ofícios privados que visam em particular os indivíduos ou a paróquia ou a diocese ou qualquer nação; mas sim como uma coisa que pertence à Igreja Universal, constituindo uma expressão viva de sua oração. Daí pois não ser lícito a ninguém mudar tais fórmulas, introduzir novas ou substituí-las por outras. Proibe-o a própria dignidade da Sagrada Liturgia, por meio da qual o homem se põe em contato com Deus. Proibe-o igualmente o bem das almas e a eficácia da ação pastoral, que de outro modo se acharia comprometida. Por isto, apraz-nos recordar aquela norma da Constituição Litúrgica que estabelece: « A regulamentação da Sagrada Liturgia depende unicamente da autoridade da Igreja» ( n° 22, 1; cfr. n° 33).
«Falando-vos entretanto das normas que devem reger vossa atividade, não podemos passar em silêncio algumas tendências que se manifestam em várias partes da igreja e que são para Nós motivo de não pouca ansiedade e sofrimento.
«Referimo-nos antes de tudo a certa mentalidade que se tem formado em muitos, pela qual se acolhe de má vontade tudo que provém da autoridade eclesiástica e vem legitimamente ordenado. Acontece assim que em matéria litúrgica, as mesmas Conferências Episcopais às vezes procedem por conta própria, ultrapassando os justos limites. Acontece ainda que se realizam experiências arbitrariamente, ou se introduzem ritos que estão em aberta contradição com as normas estabelecidas pela igreja. Não há quem não veja que tal modo de agir não só ofende gravemente a consciência dos fiéis mas também prejudica a mesma execução ordenada da reforma Litúrgica, que impõe a todos prudência, vigilância e sobretudo disciplina.
Pe. Luiz Gonzaga da Silveira D’Elboux, S.J., Crise Religiosa: Dialogando Francamente por Cristo, pela Igreja e pelo Papa, Ed. Mensageiros do Coração de Jesus, Rio, 1969, Pp. 226-227