No século XVIII, Bento XIV precisou escrever uma encíclica para tentar repelir a intromissão do gênero musical teatral e profano na Igreja. A Encíclica Annus qui hunc reafirmou a determinação de “banir-se da igreja qualquer música que contenha, quer no canto, quer no órgão, coisas que sejam lascivas e impuras”, originária do Decreto do que se deve observar e evitar na celebração da Missa de 17 de setembro de 1562, da Seção XXII do Concílio de Trento.
Como a música sacra de meados do século XVIII já estava baseada na música com vozes e instrumentos, o documento de Bento XIV visou melhor definir o estilo sacro e evitar sua hibridização com o estilo teatral (operístico), no qual foram identificadas as texturas musicais “lascivas e impuras”.
Participou desse processo a definição de um modelo de acompanhamento instrumental baseado na orquestra de cordas de seu tempo (violinos, violas, violoncelos e contrabaixos), com a utilização do órgão e do fagote como reforço do baixo contínuo, que evitasse instrumentos típicos da ópera da primeira metade do século XVIII, como “os tímpanos, as trompas, os trompetes, os oboés, as flautas, os flautins, os cravos (ou harpas), os bandolins (ou alaúdes) e instrumentos similares utilizados na música teatral.”
A Encíclica Annus qui hunc conseguiu retardar por um certo tempo a subversão do ideal sacro na música religiosa, até a total invasão do som operístico nas igrejas durante o século XIX, com o repertório de Rossini, Bellini, Donizetti, Verdi e muitos outros compositores europeus e americanos (como Antônio Carlos Gomes e João Gomes de Araújo no Brasil), até que as questões sobre instrumentos, estilo teatral e abusos voltaram a ser debatidas a partir do final do século XIX, especialmente no Motu Proprio Inter pastoralis officii sollicitudines (Tra le sollecitudini) de Pio X (22 de novembro de 1903).
Daniel Fernandes
(*) Este texto foi extraído do Facebook sem a revisão do autor